1.7
será que ainda sei escrever um poema?
essa tristeza que me convence que não
não era a mesma que me convencia que sim?
o preço de tudo subiu
o leite do filho verteu
o bonde de vírus lotou
e virou e viralizou
mas nada
da janela, vejo o bonde
mas ele não me vê, que agonia
prefiro esperar do lado de cá
a tinta sair pro papel sozinha(o)
591.
as mentiras que nos contamos nas praças dessa cidade acendem por dentro
saio pra tomar um baculejo na praça doze uma dose na praça do retiro um tiro na praça do vinil conheço você inteira daqui até a puta que pariu
o médico pede um cigarro pro dentista
eu perambulava pela rua j pinto fernandes quando solucei que você só voltaria pra casa daqui a três dias de amor com outrem
um neon grita querendo desvendar as sombras que a lua cria na minha solidão minha minha
as matas dos canteiros do seu corpo são as partes mais íntimas das praças de nossas preces
cada lorota barata que você me contou nos becos de meus pesadelos eu engoli só porque estava faminto
já não minto
já não sinto
j pinto
548.
2
sei sim da falta que você sente da praia encantada. aqui mareja mesmo no canto do olho. sei que
você não consegue conter o sorriso na porta do mar mas não sei que
aquilo que você sente na água no pé é o mesmo que o violão sente na corda no dedo debaixo de sua palmeira favorita do percurso das estações do entardecer da noite
talvez o marulho, a convidar sua alma pra outro mergulho, seja afinado no tom lunar das águas de lá, de onde a sereia canta com cada parte do corpo de baile
você também vibra feito elas desde que o mundo é senhora na calada das canções que botam ovos de âmbar no ninho do lago e nesse lago, em que a madruga conjura seu feitiço degradê, você, de mãos dadas com essa natureza, escuta as infinitas vozes que vêm de dentro. alô, ouvinte, aqui quem cala são seus demônios. pode ser. beira
1
desde que você esteja se desculpando, o vento que sente ainda é o que descabela as canções do seu casamento com a samambaia. a areia te faz sentir remota em cada projeção astral de verão ou em cada cortejo engarrafado das inexoráveis pequenas mortes e coitos? desde que você esteja se descobrindo, você sabe sim qual vento molhou de areia a gota de água doce em seu peito. você também vai querer dançar mas não deixará de se sentir menor que os grãos. ao se saciar, morra de êxtase pra renascer de vazio a ser preenchido com nada. não adiantará reconsiderar a rota da carruagem se o terreiro é dentro de você. ao se rabiscar, espere pela garrafa menos gelada do jardim e os lençóis deixarão de acender os postes para tirar sua roupa. não se esqueça de como fazer perguntas generosas ao tarô se um dia minhas cartas não chegarem. desde que você esteja fugindo, tocando uma fuga ou outro coração, os cristais que pendurei na sua aura vão escrever os poemas que você precisa pra sobreviver. venha ver
716.
dentro da clareira do teu olhar tem uma fogueira
parto pra te olhar num desses dias em que a noite parece tersol inflamando os olhos eu choro eu pranto eu pronto
um cantador tira a viola do saco e senta na fogueira pra fazer sua prece sem pressa seu verso sem verdades
quando estou de bem comigo saio assobiando sobre como é escura a noite dentro do seu olhar vazio que nem roça
seu olhar tem meu mesmo vazio que a roça
lido com todos meus desdobramentos espirituais sem nem suspeitar de que sou o personagem malandro de uma cantiga seresteira entoada na fogueira bem no meio da clareira noturna que é seu olhar
vez ou outra a maré da retina sobe e encerra a fogueira a cantoria eu me apago pois a canção que me deu e dava vida silenciou
sou apenas outro verso que não deu certo apenas outra melancolia que deu certo outra ida outro perto outro aperto outro parto outro aborto barato outro outra outrem entrem no trem
714.
bêbado pingava dipirona na cárie quando no lugar do aroma amargo vem o som do elevador seu corpo fino emanando seu perfuminho soando a campainha que não funciona mas ouvi na intuição
reacendo meio cigarro pra bancar o personagem e danço até a porta que nos separa
não repara na bagunça dessa espelunca
mais tarde você vomitaria a janta no vaso da milena minha planta de plástico que ganhei na rifa daquele técnico do laboratório de fotografia
já que nenhum inseto é ludibriado por milena me sinto um pouco melhor por não ser um inseto (ainda) mesmo que talvez seja menos que um inseto
você desliza até a garrafa de vinho enquanto se consagra como o móvel mais amável da sala
outra lua oca persegue seu cigarro anônimo
713.
o céu da sua boca é meu mapa astral
caço rastros sobras desses astros dessas constelações nos gargalos que você lambe e nas bitucas que você traga
eis outra lua oca orbitando o sol do seu cigarro
você me regou com sua saliva e beijou outras bocas & cuspiu & escarrou a marra e a cisma marrons de conhaque e fumo preto de ubá
não ligo pois à noite enquanto o balcão não te cabe e sua dose não chega por nada e sua alma gangrena e necrosa no vazio salivante que a ansiedade de ter me injuriado germinou é meu poema que vem na sua cabeça galáctica e erótica a desalegorizar toda sua mecânica celeste num beijo um beijo bem nosso bem esotérico
cato e ponho os astros um por um no bolso pra gastar todos na aposta do próximo beijo a traçar meu mapa meu astral outras vezes outros traços de trocas beijulares de atores principais ou não
666. Pacto
incorporo
a consagração deste poema
ao cão
ao gatinho
ao coelhinho sansão
ao passarinho
ao capiroto que amassa
o pão
vou escrever até queimar
minha mão
vou perecer até grafar
meu perdão
assino e selo com saliva esse contrato
baseado
assassino o belo a vida o ato
embriagado
e transo
as pernas
com as pernas abertas da vida
vivida
pelo menos
foi
oi
edição de 2013
te dei a mão e apertei
atravessando as árvores da rua
e tinha chuva na lua
nas placas perfumadas de luzes e olhares
catarses descoladas por todas as paredes
de meu estômago depois de jantar casulos
eu lembro de um cachorro que seguiu a
gente até a casa de minha mãe
e daquele beijo no degrau da padaria
é doce lembrar então é doce esquecer
não nem só quando se lembra de novo
se eu
eu sim
te darei a mão de novo toda vez que eu viajei no tempo
e terá chuva na lua
e nas árvores a serem atravessadas
e beijos nas escadas
que levam a andares mais elevados
a cobertura
do bolo daquele café da manhã
no degrau da padaria
retraço #2
frio
fornalhando o peito
amantes
no leito
foguetes
(fogueira)
cio
explosão
"aceito"
são joão
retraço #3
milhares
de conchas
aos pares
orixás
areando axé
nos ares
areia no pé
palmares
estrelas
(do mar)
o som de um cargueiro
chegando na orelha
o ar
veleiro
fincado no chão
imens(ol)idão
desaprumando as parabólicas,
os poemas saem do ar